Quiabos à parte, o segredo para uma boa comida está no tempero, já dizia minha mãe.
Pesava entre o inusitado e o absolutamente simples os hábitos culinários daquela região, havia quase feito escola, eu diria.
À exceção de Bendengó que tinha um hábito nada comum de comer coisas que se arrastam e voam, o padre Joaquim Torres Barrada (um comilão inveterado) e o companheiro de letras, o poeta João Emílio Krauser, proprietário da fazenda Pinhé, brindavam o mundo, às vezes, com receitas extraordinárias.
Torres Barrada era uma espécie arredondada e falastrona de Torquemada, um inofensivo bonachão, entretanto era um bon gourmet e toda sua produção culinária tinha um único propósito: satisfazer a si próprio. João Emílio era um despretensioso escritor que na arte de cozinhar inventava mais do que sabia. Na cozinha eles alçavam do fundo de sua invencionice uma preciosidade em forma de cozidos, doces e licores dos mais diversos, que faziam frente à rica culinária local, com suas: buchada de bode, galinha-d’angola ao molho pardo, galinha à cabidela, capote à moda do sertão, guisado de cobós, queijo de coalho; umbuzada e licores de jenipapo, guabiraba, jambo, jabuticaba, sapoti, etc.
É necessário fazer jus igualmente aos queijos, manteigas e aos preciosos vinhos de Dona Dreiser Sister Carrie, dona da melhor adega particular de Curiapeba. Igualmente eram excelentes os quitutes de Sá Cotinha e ainda as preciosidades saídas das hábeis mãos das negras Valei-me, Ostoporina Suspirova e Sá Generosa, que as ofereciam na pensão que mantinham em frente à Praça das Boiadas. O fato é que tudo contribuía em favor da obesidade universal. Somando-se a isso, em toda a região da Chapada Diamantina preservava-se certa tradição em alguns pratos típicos, de notada peculiaridade e que foram herdados dos antigos garimpeiros, que eram, entre outros, arroz de garimpeiro, cortado de palma, picadinhos de verduras, fritada de mamão verde, godó de banana, maturi, peixe no bamba, pirão de parida, pirão de caldo da galinha, salada de batata-da-terra, sopa de fruta-pão, além de pratos de sabor refinado, ou doces e manjares, como a ambrosia, balas de jenipapo, brevidade, e os licores de manga e cajazinha.
Certamente que o cozido em panela de pedra-sabão ou panela de ferro, submetidas à paciência do fogão a lenha, tem um sabor especial. Algumas coisas obedecem a uma verdade irrefutável, ou seja: os assados em forno de barro sempre obedecem à frágil norma de serem saborosos e têm por si sós um sabor especial; a água da cacimba mata melhor a sede e mais bem coopera no preparo dum bom cafezinho, passado no coador de pano que melhor fica se acompanhado de um respeitável pedaço de bolo de fubá ou um biscoito de polvilho, gostosura das gostosuras; nas beiradas do tacho se esconde o verdadeiro sabor do doce; o arroz socado no pilão é sempre melhor; e por aí vai.
Mas, contrariamente ao apregoado pelo padre Barrada, pelo poeta João Emílio e os demais entendedores de garfos e panelas, Bendengó tinha seu próprio jeito de lidar com a cozinha, sua predileção (que comprometia também a família) estava direcionada para os gambás, porcos-espinhos, inhambus, preás, tatus, cobras, rãs, lagartos, cotias, tamanduás, etc. Este era o nosso variado cardápio.
Eram carnes apreciadas por Bendengó e outros tantos partidários. E, por aquelas bandas, era sempre uma refeição garantida, dada a sua abundância.
Quanto ao preparo e extrair daquelas feras selvagens uma boa refeição, bem, essa é uma outra história; segredos guardados a sete chaves. E eu, por mim, estava fadado a comer coisas falantes, voantes, rastejantes e repugnantes.
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