sexta-feira, 23 de outubro de 2009

07 - TROPEIROS E VAQUEIROS

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"É a árvore sagrada do sertão. Sócio fiel das horas felizes e longos
dias amargos dos vaqueiros..."

(Euclides da Cunha, referindo-se ao "umbuzeiro")

Eles vinham das Alterosas, tangendo a mulada, atravessando o imenso sertão rumo às distantes terras do sul do estado e com paradeiro ignorado.
Estavam em três. O preguiçoso e carregado sotaque mineiro denunciava que eram conterrâneos meus e que deveriam, assim, ser gente de bem. Papo vai, papo vem, tive a oportunidade de relembrar um pouco minha velha Minas Gerais. Soube ainda que eram parentes entre si e que mantinham negócios por aquelas bandas.
Haviam chegado à fazenda à tardezinha do dia anterior.
Ser tropeiro tem lá suas vantagens, sabem de tudo, veem tudo, ouvem tudo e aprendem a falar tão somente o essencial, pois desconfiam até da sombra. Na hora do sono, dormem, se banham quando podem, comem quando têm fome e se sustentam com a mais natural frugalidade. A vida toma conta e põe sobre os mesmos uma vigilância constante.
Do fundo de seus bornais, sacavam todo um sertão mineiro, coisas com as quais a minha infância pôde conviver.
Com as mulas desatreladas e a trempe montada em forma de triângulo, sob um braseiro incandescente, faziam a sua refeição. Lembrava-me da minha boa e inocente vida no engenho, quando minha mãe forrava a mesa com as comidas que todo mineiro bem conhece: mingau de couve, canjiquinha, angu doce, tutu de feijão, ora-pro-nóbis, taioba, quiabo, jiló, abóbora-d’água e por aí vai.
Convidaram-me para fazer parte da mesa, por pura cortesia, já que não tinham comida em abundância. Obviamente declinei do convite. Bastava-me aquele aroma reminiscente e uma boa conversa.
Um deles reiterou, insistentemente:
– Num qué mesmo cumê cum nóis?...
Outro disse:
– Eita qui o trem tá bão sô!... Uai!... Injeita não, moço.
Disse-lhe em resposta:
– Não, obrigado!...
Um deles entoava em voz baixa a seguinte canção, conhecida como A Canção do Vaqueiro:

Pras bandas d’onde eu venho
Não ficou nenhum amigo,
Lá deixei o que não tenho
E mais nada veio comigo.

Um tropeiro vara o mundo,
Sem caminho, nunca para,
Seu destino é o poço fundo,
Transbordando água clara.

Pois a sorte que me guia
É eterna, nunca passa,
Renascendo todo dia
Como boi que não se laça.

Deixei-os ali e fui cuidar de meus afazeres.
Era um domingo muito agitado na casa de Bendengó. Aquele homem simples tinha a proeza de cativar e atrair gente de tudo quanto é canto.
No dia seguinte, aos primeiros sinais do alvorecer, aquela comitiva de homens e mulas já se havia enveredado pelos rumos que o destino pusera em suas vidas e eu, depois de um desjejum, fui ter com meus quiabos.

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