Marculina Gravataí Horizonte, ou Dona Lina, era, dentre tantas outras qualidades, uma benzedeira, nascida, segundo diziam, abençoada para dar cabo deste ofício.
Em seus benzimentos não impunha limites, benzia contra cobreiro, praga de urubu, mal olhado, “difruço de peito”, espinhela caída, dor de quengo, “mulera aberta”, nó de tripa, etc. e, juntamente com isso, promovia, por sua conta, a aproximação de casais, mesmo que o pendor amoroso não fosse recíproco.
Seu antepassado (assegurava ela) havia sido um paiaiá, de quem herdara todo o conhecimento curador. Assim, era ela uma artífice no manejo de raízes, sementes, ossos, raspas, cascas, unhas, chifres, etc.
Era mais solicitada que o Dr. Clepaúva e eram mais eficazes também, diga-se de passagem, o seu curandeirismo, as suas garrafadas e os chás de alecrim, folha de laranjeira, funcho, guaco, carqueja, losna, etc. A velha tinha a cura “praquilo” que a imaginação concebesse. Procuravam-na para dar jeito em “mordida de cobra”, úlceras malignas, vento-virado, “istuporação”, “tosse cumprida”, bucho virado, “furunco”, cabeça-de-prego, barriga-d’água, derrame, mal-dos-sete-dias, sangue pisado, varicela, osso fraco, “lumbriga”, e por aí vai.
Tinha também os banhos feitos com espada-de-são-jorge, lírio, folhas de fumo, alho macho, guiné, arruda, galho de amoreira, rosas brancas, jasmim, palma-de-são-josé, gengibre, jurema, imburana, etc.
Através de suas garrafadas, infusões e benzimentos ela desafiava os mais preclaros doutos da ciência médica.
As atuações de Dona Lina eram precisas, tiro e queda.
Agora, em relação aos casamentos arranjados, se seriam abençoados pelos céus, essa é uma outra conversa.
Apesar de sua magreleza e dos seus cabelos brancos, tinha uma vitalidade de cavalo. Seu dia era dedicado aos afazeres dos mais diversos e, dentre eles, o hábito de falar mal da vida alheia. Também se dedicava a benzer, cozer, trazer rebentos ao mundo, aconselhar, etc.
Ah! Sim, essa era a outra qualidade de Dona Lina, se um casal estivesse se desentendendo, bastava dois dedos de prosa com a velha e pronto. Quanto aos rebentos trazidos ao mundo, basta dizer que metade da cidade era composta de seus afilhados e a outra metade devia-lhe favores.
Essa mulher era uma peça rara, ou como diria Odilon e sua boca desenfreada: “uma praga de urubu” – “uma futriquera catinguenta qui tinha parte com u demo”. Quando ela se dava com alguém, este aventurado virava santo, especialmente se fosse endinheirado, mas, do contrário, se não fosse com a fachada do infeliz (como era o meu caso), ela o pintava com todas as cores do inferno.
Assim, na boca dessa mulher, transformei-me em todo o possível e imaginável, desde desocupado (a sempre constante mania de achar que escritor é vagabundo) até ateu. Fez mesmo o favor de inventar, maldizer e levar ao conhecimento dos padres Giracino Bembém de Arruda Real e Cosmorâmico Canindé minhas maldosas e pecaminosas intenções ateias. Tornei-me o vivo retrato da heresia.
Tudo porque, em determinada circunstância (oportunidade em que fui pegar um remedinho pra calombos e um unguento para queimaduras), opinei sobre seus métodos para atrair, os quais julgava inadequados, e tudo porque ela cismou de ajeitar um encontro entre mim e uma senhorita cuja existência eu desconhecia. E arrematei dizendo, naquela oportunidade, que isso feria a lógica e ia contra certos princípios óbvios.
Não teve remédio, certa de suas convicções, ela começou a arquitetar um modo de prejudicar-me e tão convicta estava que nem uma conferência episcopal a demoveria de suas ideias.
O fato é que depois de suas “arengagens” eu fiquei tido como uma espécie de ser repugnante e fiz fama entre as beatas de ambas as igrejas, que concluíram por adquirir o hábito de se benzerem sempre que comigo cruzassem.
Velha embusteira miserável, isso sim, como diria o bom Odilon, mas, devo atestar, operava grandes prodígios; o de conduzir ou mudar a opinião pública, o de manipular o dogmatismo ecumênico e o de levar-me a rever conceitos que não emiti e opiniões que não dei.
Que algo mais fabuloso pode haver?
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