sexta-feira, 23 de outubro de 2009

04 - ZECA BROTOEJAS, UM FALASTRÃO INCORRIGÍVEL E ENSIMESMADO

sexta-feira, 23 de outubro de 2009
No dia seguinte, fui à cidade para resolver algumas pendências e rever João Emílio Krauser que, há tempos, não via.
A vida parece brincar de fazer Homens. Não sei se ela se frustra, quando em vez, quero crer que, amiúde, não...
Acredito mesmo que a maioria de seus experimentos dê certo. Assim é como, nessa altura da vida, vejo as coisas e tomo por base este povo. Este bravo e aguerrido povo que desfia as intempéries, as agruras, os inconvenientes e os desmandos e se sobressai, sobrevive... E vive...
Assim é como vejo o sertanejo, que, via de regra, parece emprestar da vida a sua batuta, o seu bastão e começa ele mesmo a doutrinar e calibrar o destino a seu modo, à sua maneira.
Assim era Zeca Brotoejas, a quem conheci por um descuido, despejando em uma verborragia contagiante, em uma mesa do bar do João Emílio Krauser, uma séria de provérbios, impropérios; dizeres e ditos dos mais inusitados. Na oportunidade, pra variar, ele baixava a lenha em Machado de Assis, o famoso autor do Dom Casmurro, e sua “mediocridade crassa” (palavras dele). O dito estava condicionado às intempéries da catiloia, isso não o entorpecia entretanto. Era um caso raro de embriaguês lúcida.
Usava uma camisa de bulgariana de um tom pastel, calça de brim e alpercatas de sola surradas pelo uso.
Sua aparência denunciava a decepção, o desconsolo e ao mesmo tempo um intragável pessimismo e intolerância para com a vida, as pessoas, cães e gatos.
Não sou de puxar uma prosa e ficaria a vida inteira sem dirigir-me a ele. Devo acrescentar que não é nenhum tipo de apatia ou intolerância para com o gênero humano e sim uma característica pessoal minha e que não recomendo a ninguém.
Todavia ele dirigiu-me a palavra como quem espera nada além de um assentimento.
Bem, o fato é que bêbado conversa até com paredes e portas e aquele sujeito achou de meter-se com a minha vida e disse o que pensava de nós, “engomadinhos da capital”, num tom desafiador.
Tinha uma poética boa, sóbria e agradável.
Além ou apesar do hálito insuportável, tinha uma dialética atraente e um conhecimento sobre as condições humanas e políticas fortemente desconcertantes.
Extravasava tudo isso em sua poesia.
Como sobrevivia, não sei, de vento talvez, pois suas mãos não apresentavam calosidade, sua conta no bar do Krauser parecia nada invejável e sua condição momentânea parecia suplicar um mais apurado cuidado higiênico.
Se um bom poeta deve ser uma espécie de desregrado, azedo, intragável, desleixado e boêmio, aquele homem era o mais exaltado dentre eles.
A catiloia era para ele como uma bebida que desse alento e esperanças ao corpo cansado, e sua poesia era como uma necessidade de falar aquilo que ninguém estava disposto a ouvir e entender.
Normalmente essa é uma constante entre os poetas: ser incompreendido. Mas ele... Bem... Ele fazia por merecer...
Mas uma coisa eu sabia e estava certo: seríamos amigos.
Nossa relação seria, no mínimo, cordata, muito diferente da que eu manteria com Dona Lina.

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